Buscar conhecimento é inerente ao ser humano e bem mais óbvio na fase infantil, quando se aprende fazendo, imitando, caindo, repetindo, ou seja, na prática. No entanto, essa busca tão natural se perde na longa trajetória do ensino formal. O aluno, quase que passivamente, transforma-se em receptor de informações e perde o status de agente do próprio conhecimento. Que tal, então, ajustar essa lógica, de modo a descentralizar o papel do professor em sala de aula e passar o bastão de protagonista ao aluno? É justamente essa a proposta das chamadas metodologias ativas no ensino, já aplicadas com sucesso no exterior e em algumas escolas brasileiras.
O Peer instruction (instrução por pares, em português), o Flipped classroom (sala de aula invertida) e o Problem-based learning (aprendizagem baseada em problemas) podem ter nomes longos e aparentemente burocráticos, mas todos esses métodos têm em comum uma ideia fixa: engajar o aluno e torná-lo autor do próprio conhecimento.
Para entender melhor do que se trata e como aplicar essas metodologias ativas de ensino, a Profissão Mestre conversou com especialistas no Brasil e nos Estados Unidos e detalha os pontos fundamentais dessas técnicas.
Especialistas afirmam que os métodos citados, inicialmente, exigem do professor trabalho dobrado, mas que, ao longo do tempo, tornam-se ferramentas práticas e efetivas no processo educativo. “Nascemos para aprender. Esse desejo é inato do ser humano, independentemente do status social, cultural ou econômico,” explica o cientista e pesquisador da Universidade de Harvard, Eric Mazur, criador do método Peer instruction.
Mazur reforça que um bebê, por exemplo, busca conhecimento a toda hora, de forma natural, tocando objetos, ouvindo sons, brincando, tentando.
“Quando vão para a pré-escola, as crianças são muito mais interessadas e animadas em sala, pois a elas são oferecidas chances de criar, desenhar, contar histórias. Já reparou que salas com crianças pequenas são um caos?”, observa Mazur. Assim que crescem e iniciam o ensino fundamental, observa-se nitidamente uma queda no interesse pelo aprendizado. “Qual é o motivo? O método muda, em vez de serem agentes que buscam o próprio conhecimento, passam a ter um papel secundário e passivo, que é o de apenas receber informação. O próprio sistema de ensino furta a criatividade do aluno”, observa o especialista.
O cientista, que também é professor de Física em Harvard, reforça ainda que o “caos” em sala de aula é muito positivo, pois evidencia o engajamento dos alunos, o que resgata o aprendizado ativo, aquele mesmo da infância. Mas para criar o caos, nesses casos, faz-se necessário um elemento de controle, e é aí que as metodologias ativas de ensino se fazem presentes. De forma geral, Mazur afirma que os três métodos baseiam-se nos mesmos pilares: transferência de informação, assimilação e entendimento dessa informação. Porém, com um detalhe fundamental: o foco está na apropriação do conhecimento pelo aluno. E é isso que faz toda a diferença. “Minhas aulas em Harvard são caóticas justamente porque há participação massiva dos estudantes,” afirma o cientista.
Acompanhe a seguir mais informações sobre cada uma dessas metodologias de ensino.
Peer instruction – Instrução por pares
Como funciona: antes da aula, o professor informa o tema e o aluno lê e pesquisa em casa. Depois, na aula, os alunos são desafiados com problemas. Em duplas, eles os resolvem até encontrar o resultado. Em seguida, toda a turma debate as possibilidades apresentadas.
Benefícios do modelo: desafiador, motivador, facilita a assimilação do conteúdo e o aprendizado.
Engana-se quem pensa que a instrução por pares se limita a sentar dois alunos juntos para que eles leiam e façam exercícios em dupla. O método se inicia com a ponta mais fácil do processo – que é a transferência de informação – e, ao mesmo tempo, com o que seria o fim: o “para casa”, que é, na verdade, a tentativa de assimilação do conteúdo. “Digo os capítulos, o tema a ser estudado, e isso é o que precisam fazer em casa, antes da aula. Ler a respeito do assunto e pesquisar”, explica Mazur, criador do Peer instruction.
No dia seguinte, já em sala de aula, uma introdução sobre o tema é feita pelo professor e, em seguida, os alunos são desafiados com problemas. “Passo alguns exercícios e deixo que eles discutam em duplas até encontrar o resultado,” diz Mazur. Depois de um tempo, é solicitado que a turma vote na resposta que seria a correta, e a ela são dadas opções, como A, B ou C. Em seguida, o professor mostra o resultado da votação, mas não entrega a resposta final. Nesse momento, ainda em duplas, os estudantes conversam e buscam uma forma argumentativa para verificar se o resultado a que chegaram seria mesmo o correto.
Em seguida, o professor mostra a resposta do problema. Alguns acertam, outros não. E é nesse momento que acontece o “clímax” da aula. Os alunos que acertaram tentam convencer os outros do porquê de a resposta ser A, e não B, sempre amparados pelo professor. “E a instrução por pares acontece assim. Como eles estão altamente motivados, o momento do ‘aha!, entendi’ surge. O conhecimento é transmitido entre eles, com suas próprias palavras”, ressalta Mazur. “O ensino ocorre somente quando há transferência de informação e quando essa informação é assimilada pelo aluno. E assimilar o assunto é o mais difícil. Por isso, o método permite que a parte mais complicada ocorra em sala de aula, com o suporte do professor, e não com o aluno sozinho fazendo o dever de casa,” diz o professor de Harvard.
Prática no Brasil
Sandro Prass é um dos pioneiros na aplicação do método Peer instruction no Brasil. Ele é mestre em Ensino de Ciências e Matemática, trabalha na Universidade de Caxias do Sul – UCS (RS) e professor de Física em dois colégios de ensino médio da Serra Gaúcha. Prass já aplica o método nas escolas em que é professor e observa nítidas diferenças no desenvolvimento de seus estudantes. Ele reforça que um dos aspectos positivos do Peer instruction é a chance de o professor se antecipar aos problemas. “Quando o aluno participa ativamente, constrói a aula junto com o professor. O educador então percebe rápido onde há dificuldade na aprendizagem e pode agir e resolver a demanda. Tradicionalmente, o professor descobriria apenas na avaliação, quando em geral já é tarde demais,” diz Prass.
Outra característica que torna o Peer instruction viável é a de que o método se ampara na linguagem dos alunos. “Parece até mágica a forma com que eles transformam longas explicações dadas pelo professor em esquemas simples, muitas vezes baseados nas suas experiências e no cotidiano”, afirma Prass. Ele observa que, quando um aluno explica algo ao seu colega, o aprendizado se dá de forma extremamente mais simples, rápida e direta, justamente pela intimidade, informalidade e simplicidade na forma de comunicação entre eles.
Um dos desafios encontrados é a dispersão entre os estudantes, uma vez que a instrução por pares é, por si só, um estímulo à conversa paralela. Para gerenciar essa situação, a própria estrutura da aula resolve a questão, comenta Prass. “É o professor quem gerencia a formação dos pares, sempre cuidando para que se tenha um aluno com dificuldade de aprendizagem junto com um que tenha facilidade. Assim, a relação entre eles acaba praticamente só focada na resolução das atividades propostas,” explica o especialista.
Por não depender de tecnologia ou instrumentos caros, é um tipo de método aplicável a todos, em escolas públicas e particulares. Prass conta que acumula experiências de sucesso no uso do Peer instruction tanto em escolas públicas como privadas, com alunos dos turnos diurno e noturno. “Se o aluno não teve tempo de estudar um material, podem ser dados cinco ou dez minutos no início da aula para que ele leia. O que parece uma perda de tempo depois se transforma em ganho”, conta o professor. “Há exemplos de alunos que persistiam em não fazer os estudos em casa e que durante as discussões perceberam-se deslocados do grupo, não tinham como participar. Semanas depois eram os mais ativos, positivamente”, revela.
Mas o Peer instruction pode ser aplicado em 100% da disciplina ou deve ser equilibrado com o método tradicional de ensino? Para responder à questão, Sandro Prass é prático e realista. “Na Física, pelo menos, há momentos em que o conteúdo a ser estudado impossibilitaria o uso do método devido a sua complexidade e a falta de conhecimentos prévios dos alunos para ancorá-los no estudo feito em casa. Daí o método tradicional, centrado no professor, seria mais eficiente”, explica.
Flipped classroom – Sala de aula invertida
Como funciona: o professor grava um vídeo com o conteúdo da aula e o aluno o assiste em casa. Depois, em sala de aula, são realizados exercícios, debates e resolvidos os problemas.
Benefícios do modelo: possibilita maior produtividade para a elaboração de conteúdos e o desenvolvimento de atividades, facilita a assimilação do conteúdo e o aprendizado.
Uma câmera na mão e várias ideias na cabeça. Com base nesse conceito, encontra-se uma ferramenta valiosa que vem mudando a prática de educadores em escolas ao redor do mundo. O Flipped classroom, ou sala de aula invertida, muda a lógica da aula tradicional. Em vez de o professor explicar o conteúdo em sala de aula, ele grava um vídeo previamente com a matéria e o aluno, em casa, assiste ao material. “Assim, deixamos a parte mais complicada, a dos exercícios, debates e resolução de problemas para a sala de aula,” diz um dos pioneiros do Flipped classroom nos Estados Unidos, Jon Bergmann, referência no assunto e cofundador do Flipped Learning Network, ONG que compartilha com outros professores as técnicas do método. “A introdução ou explicação da matéria deve ocorrer antes da aula. Assim, a parte mais complicada do processo, que é assimilação do conteúdo, ocorre em sala, junto com o professor”, explica Bergmann. Ele, que durante 24 anos foi professor dos ensinos fundamental e médio em escolas americanas, explica que o método funciona em diversas áreas de ensino, de grandes universidades – como Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Harvard – à educação infantil.
Bergmann diz que o vídeo não precisa ser longo. E esse é um dos erros mais comuns cometidos. “Deve conter 1 minuto e meio por ano escolar. Se a turma é do 4º ano do ensino fundamental, o vídeo deve ter no máximo 6 minutos. Isso porque, quanto mais jovem, menos atenção a criança consegue manter”, diz o especialista.
O lado bom de expor o assunto em vídeo é que o aluno pode voltar a gravação, pausar e rever quantas vezes precisar. “Quando esse método foi iniciado, 25% dos alunos não tinham internet em casa. Mas isso não era um problema, pois eles podiam assistir ao DVD no computador ou, se não tinham computador, poderiam assistir ao DVD no aparelho de casa”, comenta o especialista. Bergmann observa que é fundamental que o educador apareça na gravação, e não apenas o tema em si sendo discutido no quadro. “A interação professor/aluno deve existir. A gravação precisa ser bem planejada, curta, ter humor, ser dinâmica (com boa e altiva entonação de voz), e o áudio precisa ser bom”, explica Bergmann. Mas isso não significa que o vídeo tem que ser em alta resolução ou com qualidade superior. “O que mais deve ser levado em conta é o planejamento da aula. Mas, no geral, o vídeo pode ser bem simples”, orienta.
Desafios
No Brasil, o professor Cláudio Oliveira, diretor-geral do Instituto Superior de Educação de São Paulo, o Instituto Singularidades, já forma e capacita educadores no uso da metodologia. Para ele, há dois desafios principais na implementação do Flipped classroom. “É necessário que as escolas estabeleçam uma proposta pedagógica adequada a essa nova metodologia. Não faz sentido tentar adaptar uma proposta pedagógica elaborada para ser desenvolvida em uma metodologia tradicional”, afirma Oliveira. Para tanto, é necessário uma revisão dos objetivos de aprendizagem de cada conteúdo (disciplina ou área de conhecimento) e a elaboração de atividades.
O segundo desafio é mais concreto: construir uma cultura digital nas instituições de ensino. “Os professores, coordenadores e diretores precisam conhecer os recursos tecnológicos, as ferramentas e as práticas pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento de atividades colaborativas”, observa Oliveira.
O especialista diz ainda que não basta entregar a tecnologia ao educador, ele dever ser capacitado para usá-la. “Devidamente preparado, instrumentado, o professor rapidamente percebe que a produtividade tanto para elaboração de conteúdos quanto para o desenvolvimento de atividades é bem maior com essa nova metodologia”, afirma.
Problem based learning – Aprendizagem baseada em problemas
Como funciona: organiza-se a partir da investigação de problemas. Estudantes e professores analisam e propõem soluções para situações cuidadosamente elaboradas.
Benefícios do modelo: garante ao estudante a possibilidade de aprender conteúdos e de desenvolver competências e habilidades fundamentais para a vida em sociedade.
Nem sempre um problema é “um problema”, daqueles chatos e monótonos de se resolver. Muito pelo contrário, discutir algo polêmico em sala de aula pode ser a solução de ensino para muitas escolas. É o que propõe a Problem-based learning (PBL), também chamada de aprendizagem baseada em problemas (ABP). A técnica foi sistematizada na década de 1960 no curso de Medicina da Universidade McMaster, no Canadá. Diferentemente de outras estratégias de ensino ativas citadas na reportagem, essa é a que exige, talvez, uma mudança mais estrutural e sistêmica na forma e no conceito de ensino. “A ABP se organiza a partir da investigação de problemas. Estudantes e professores se envolvem na análise e na proposta de soluções para situações que são cuidadosamente elaboradas, na construção de um currículo, com o objetivo de garantir ao estudante a possibilidade de aprender conteúdos e de desenvolver competências e habilidades fundamentais para a vida em sociedade”, explica Renato Matos Lopes, um dos precursores do método no Brasil e pesquisador do Laboratório de Comunicação Celular do Instituto Oswaldo Cruz.
Os problemas envolvem os estudantes com fatos da vida diária, tanto da escola como doméstica, da cidade ou com as futuras ocupações, no caso de cursos profissionalizantes. O problema apresentado é o ponto de partida e conduz o processo de aprendizagem dos estudantes, que é organizado em ciclos de aprendizagem. “Uma parte importante desse processo é a identificação das deficiências de conhecimento do grupo de estudantes – que dificultam ou impedem a proposição de soluções para o problema. Esse levantamento de ‘lacunas no conhecimento’, feito em grupo e com foco na solução do problema, gera uma etapa de estudos autodirigidos”, explica Lopes.
Ele destaca que cada estudante se debruça em um momento individual de estudos e retorna ao grupo, em um segundo encontro, para compartilhar as informações. “O que nós já sabemos? O que nós precisamos saber? De que forma podemos encontrar as informações necessárias? Essas são as três perguntas básicas de investigação para aplicar a ABP”, afirma o pesquisador.
Prática
Por que o Ministério da Saúde libera para consumo um refrigerante muito conhecido que dizem, pelo senso comum, ter muito ácido e que pode ser aplicado para limpar mármores, tirar etiquetas de multa de trânsito, desenferrujar pregos? “A partir dessa pergunta, o ABP se inicia. Pode ser indagado se outros refrigerantes são igualmente ácidos. Portanto, é possível conduzir os alunos para uma prática de volumetria, objetivando comparar a acidez de diferentes refrigerantes e discutir não só conceitos da Química, mas de diversas disciplinas que compõem o currículo do ensino médio”, propõe Lopes.
O pesquisador observa que a ABP apresenta três características principais: insere os estudantes como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem, colocando-os como parte interessada na resolução da situação-problema; organiza o currículo ao redor de problemas holísticos, espelhados no mundo real, o que permite ao estudante desenvolver uma aprendizagem significativa; e, por último, na ABP, o papel do professor muda: ele atua mais como orientador dos alunos, que são divididos em pequenos grupos.
Capacitação docente
Mas para que essa engrenagem funcione, a capacitação dos professores é fundamental, o que pode ser feito em cursos de formação continuada. “A formação inicial dos professores necessita ser repensada e, nesse sentido, as metodologias ativas de ensino, tais como a ABP, deveriam ser incorporadas nos cursos de Pedagogia e Licenciatura”, sugere o pesquisador. Para Lopes, torna-se um grande desafio formar professores de modo tradicional, por meio de processos narrativos e pautados em uma “educação bancária”, como caracterizado por Paulo Freire em sua obra Pedagogia do oprimido, e, posteriormente, “quando esses professores estão nas escolas, solicitar que atuem com essas metodologias”, conclui Lopes.
Escrito por Indrid Furtado. Retirado de http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/ensino/966-aluno-autor-de-seu-proprio-aprendizado
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