sexta-feira, 29 de maio de 2015

Arte em Cartão Postal



O correio também pode servir de inspiração artística. É isso que defende a arte postal, criada em meados do século XX em Nova York (EUA). Trata-se de uma forma de arte que utiliza objetos relacionados ao correio como meio de produção. O formato, que ficou popular nas décadas de 1970 e 1980, é composto pela troca de cartas ilustradas, fanzines, envelopes decorados ou ilustrados, cartões postais, objetos tridimensionais etc. Essa arte segue um princípio básico: todos podem mandar e receber postais, mas sem fim comercial, o que faz com que essa modalidade artística não seja priorizada em galerias e mostras.

Para Carlos Zürck Cruz (foto ao lado), professor de Artes no Colégio Estadual Herbert de Souza (RJ), a arte postal tornou-se uma maneira eficaz de cumprir o conteúdo didático previsto pelo currículo escolar e também de envolver os alunos em um projeto cativante. “O projeto surgiu da necessidade de abordar a arte contemporânea – exigida no currículo mínimo lançado pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro no início daquele ano (2012) –, de forma dinâmica, lúdica e afetiva, e também como elemento ‘provocador da criação artística’, com base na introdução da linguagem visual da arte postal com a técnica da fotografia, também exigida no currículo mínimo”, explica o educador. Cruz, que sempre teve afinidade com as artes e atuou em jornais estudantis (quando ainda era aluno) e posteriormente em agências de publicidade, conta que a docência surgiu devido ao contato com uma ex-namorada. “Depois de seis, sete anos como artista gráfico, tentei o vestibular de Artes. Como, na ocasião, namorava uma estudante de Pedagogia, a educação foi me contagiando e, ao final, optei por cursar Educação Artística ou Arte Educação, como queira”, relembra o professor.

A relação de Cruz com as artes deu origem, em 2012, ao projeto Arte Postal, do qual já participaram 120 alunos da instituição carioca. “A ideia consistia na produção de postais fotográficos que tinham como norte temático a ‘rua’ e o reconhecimento, além da valorização e do registro visual de seus aspectos conceituais, por meio dos subtemas poética, convívio, vivência e convivência”, comenta. O projeto conta com um diferencial: as imagens só podiam ser captadas por meio de câmeras de celulares. “Não se pode negar que a tecnologia digital, como toda tecnologia, influencia diretamente a formação do indivíduo e a produção artística contemporânea. Portanto, a arte está intimamente ligada ao ‘tempo tecnológico’, e o artista contemporâneo lança mão desses meios”, afirma Cruz. E continua: “Com a adoção do celular como tecnologia e a fotografia com o celular como suporte para a experiência artística, eles perceberam que podem expressar suas ideias, transformar ‘tecnologia de ponta’ em arte, ou seja, em expressão artística pessoal”.

As atividades

As aulas do professor Carlos Cruz não se limitaram apenas ao ensino da arte postal. O educador também debateu com seus alunos o trabalho dos correios na atualidade, a evolução da comunicação, o contexto dos correios no Brasil e no mundo na época do surgimento dessa forma de expressão, as diferenças entre o cenário de 30, 40 anos atrás e a sociedade atual. Outro aspecto das atividades foi o lançamento de uma convocatória (em português, inglês, francês, espanhol e italiano) em sites especializados em arte postal do mundo todo, a artistas dessa área. Com a convocatória, vários artistas entraram em contato com os alunos, o que ampliou o intercâmbio cultural promovido pelo projeto. “Em paralelo, [fizemos] a criação de selos e carimbo exclusivos, relativos ao tema e à escola; impressão e produção dos postais [no tamanho] de 10x15 cm; exibição e análise dos trabalhos recebidos – tudo isso em três meses, percorrendo o segundo bimestre e o primeiro mês do terceiro bimestre letivo”, complementa Cruz. Ao final do quarto bimestre, os postais criados pelos alunos foram expostos na escola, enquanto 24 trabalhos (quatro por turma, um por subtema) escolhidos pelos alunos foram enviados para os artistas que responderam à convocatória. “O trabalho foi um sucesso tanto em termos de empenho, qualidade e produção dos alunos (mais de 120 trabalhos) quanto em obras recebidas. Entre trabalhos nacionais e internacionais, foram recebidas mais de 20 obras de artistas de diversas partes do mundo, com oito países envolvidos (Argentina, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Espanha, França, Inglaterra e Japão), além do Brasil”, revela o professor.

Os alunos se mostraram muito orgulhosos dos resultados obtidos. “Ainda que familiarizados com os artefatos tecnológicos mais contemporâneos, as atividades artísticas mostraram possibilidades que ainda eram uma condição desconhecida para os alunos, então novos valores e significações foram criados por meio do uso expressivo dessa tecnologia tão íntima do alunado”, afirma o professor. O sucesso do projeto também é notado pela direção da escola. “Sua arte, além de estreitar a relação professor-aluno, possibilita diferentes olhares, e essa troca enriquece constantemente a vida dos alunos de uma maneira acessível a todos, já que a principal produção da imagem vem por meio da fotografia digital, que é utilizada atualmente por todas as gerações”, reconhece Heloisa Helena, diretora adjunta do Colégio Estadual Herbert de Souza.

Prêmio

O reconhecimento veio também de fora da escola. O projeto Arte Postal foi um dos cinco vencedores do XIV Prêmio Arte na Escola Cidadã, em 2013, o que, para o professor Carlos, foi motivo de orgulho e comprovação da qualidade do trabalho realizado. “Eu sabia, pela minha experiência, do potencial do projeto. Mas o sucesso deve-se apenas ao fato de os estudantes terem ‘comprado’ a ideia, por meio dessa percepção intuitiva que o jovem tem, desde o primeiro momento”.

O projeto continua no Colégio Herbert de Souza, agora em parceria com o Colégio Estadual Julia Kubitschek, localizado também no Rio de Janeiro (RJ). E Cruz deixa aberta a possibilidade de ampliar ainda mais as atividades. “O futuro é uma hipótese, mas é possível que depois dessas duas experiências, a internacional e a entre escolas do estado no mesmo município, cheguemos ao final deste ano com uma terceira possibilidade que ainda não se pode vislumbrar, não antes de encerrar esse período e avaliarmos os resultados”, conclui.

Matéria de Fábio Torres

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