Lino de Macedo |
Brincar é mais que aprender, é uma experiência essencial, um modo de decidir como percorrer a própria vida com responsabilidade
Foto: Karine Basilio
Para as crianças, o brincar e o jogar são modos de
aprender e se desenvolver. Não importa que não saibam disso. Ao fazer essas
atividades, elas vivem experiências fundamentais. Daí porque se interessam em
repeti-las e representá-las até criarem ou aceitarem regras que possibilitem
compartilhar com colegas e brincar e jogar em espaços e tempos combinados.
Por que jogar e brincar pede a repetição?
Esses
desafios encantam pelo prazer funcional de sua realização. Mesmo que se cansem,
as crianças querem (esperam) continuar jogando e brincando. Há um afeto
perceptivo, ou seja, algo que agrada ao corpo e ao pensamento. Até o medo e a
dor ficam suportáveis, interessantes, porque fazem sentido. Por isso, trata-se
de uma experiência que pede repetição por tudo aquilo que representa ou
mobiliza. Graças a isso, aprendemos a identificar informações ou qualidades nas
coisas ou em nós mesmos - para reconhecer coisas agradáveis e desagradáveis e,
assim, variar as experiências e combiná-las das mais variadas formas.
Por que jogar e brincar são formas de representação?
Uma das conseqüências
maravilhosas, nesse contexto de repetir, variar, recombinar e inventar, é poder
criar representações. Quando brincam de casinha, as crianças vivem a
experiência de reconstruir o cotidiano e simbolizar a vida. Graças a isso,
podem suportar ou compreender os tempos que a mãe, por exemplo, fica longe
delas. Representar, mesmo num contexto de faz-de-conta, supõe envolvimento. O
representado não está fisicamente aqui, mas simbolicamente sim. Envolver-se é
relacionar-se com as coisas de muitos modos. E inventar situações mediadas por
pensamentos e histórias construídos na brincadeira. É estar entre, fora, longe,
perto, acima, abaixo, é construir simbolicamente um modo de imitar, jogar,
sonhar, comunicar e falar com o mundo, inventando uma história nos limites das
possibilidades e necessidades.
No primeiro ano de vida, a criança aprende a distinguir entre um sugar que
alimenta (o seio) e um sugar que não alimenta (no vazio ou aplicado a um
objeto). Graças a isso, pode continuar sugando pelo prazer. A partir do segundo
ano, ela aprende a representar, a substituir as coisas pelos sons ou gestos que
lhes correspondem. Mas, igualmente, aprende a usar as representações para
simbolizar, isto é, recriar a seu modo as coisas e pessoas que lhe são caras.
Aprende a jogar ou brincar com a realidade, para representá-la. No processo de
desenvolvimento, essas transformações separam sua vida em antes e depois. Por que jogar e brincar pede formas organizadas de expressão?
Para repetir e
fazer de conta basta uma pessoa. Mas, ao se desenvolver, a criança não quer só
brincar de - ela quer brincar com. Jogos sempre foram experiências de troca.
Daí a importância de estabelecer contratos, fixar limites de espaço e tempo,
definir objetivos. Realizar um percurso é uma das brincadeiras preferidas das
crianças. Mesmo que não saibam, elas estão representando e se preparando para
repetir outro percurso que nos foi concedido ao nascer. Percorrer a vida é a
tarefa, o problema ou o desejo de todos nós. Não escolhemos a vida, mas devemos
escolher os modos de vivê-la. O caminho percorrido não volta. O caminho a
percorrer deve ser decidido aqui e agora. Nos jogos, é possível repetir e criar
regras, errar e começar de novo. Graças a isso, o outro percurso ganha sentido
e passa a ser vivido com mais liberdade e responsabilidade.
Entrevista retirada do Site Nova Escola. Acesso pelo link
Nenhum comentário:
Postar um comentário